quinta-feira, 4 de junho de 2009

Central do Brasil

Às vezes eu penso que uma vida comum é tudo que eu preciso para ser feliz. Uma casa no subúrbio, um dia de trabalho cansativo e uma esposa me esperando a noite para amainar minhas dores. Trataria um prato de comida como um milagre e um beijo amoroso como uma dádiva. Mas quando passo na Central eu vejo o avesso da minha fantasia. Nenhum daqueles rostos me parece feliz, nenhum satisfeito ou sereno. Antigamente, não compartilhar dessa ilusão de uma vida comum e feliz fazia com que eu me sentisse superior a toda essa gente circulando feito zumbis. Agora, atestar a inexistência da minha fantasia no olhar abatido deste gado humano não me faz sentir muito melhor que eles.
A sobriedade de uma vida sem ilusões tambem já foi meu analgésico. Encarar com dignidade minha condição coletiva, meu sacrifício compartilhado no meio desse povo massacrado. Ser um deles sem me sentir especial por estar em uma fantasia de mediocridade satisfatória, de alegria caseira. Não buscar uma fuga pra minha miséria. Me sentir especial por não ser especial, por ser mais um pedaço de carne sendo transportado de um lado para o outro nessas máquinas enormes e infernais com cheiro de óleo queimado. Me sentir digno por, desiludido, compartilhar dessa tragédia coletiva.
Mas não hoje. Hoje as fantasias de felicidade caseira estão em falta, e o sentimento romântico de superioridade por minha desilusão solitária se perde na memória do passado. Nem minha dignidade de massacrado, de quem teve sua individualidade extirpada, usurpado como todos os trabalhadores, coletivizado forçadamente pelas circunstâncias do mundo - nem essa dignidade me resta hoje. Não, não hoje. Hoje são eles que olham dentro de mim e não vêem nada. Hoje o zumbi sou eu.

São 5 horas e 47 minutos da manhã no relógio da Central, meu trem está prestes a partir e o dia só está começando.

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