segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O velhinho resmungava, zangava, de um jeito senil e fraco. Não impunha respeito às crianças em volta que lhe exigiam atenção e participação nas brincadeiras. - "Vamos brincar assim! Vamos brincar assado! Agora faz de conta que você é montanha! Agora faz de conta que é mar ou árvore!" - e ele resmungando: "Sai fora muleque! Assim não! Deixa o velho descansar...". Zanga e lamento, zanga e lamento. Ele reclamava mas nunca saía, nunca se punha fora do alcance das crianças. Ali sempre estava, sempre a reclamar, sempre a brincar e a ceder a vontade da criançada. Sempre contrariado.
Quando ele distraído pela idade, que faz das pessoas aéreas, olhava para o nada lembrando da vida esquecida, daquela vida que pulsava em vozes finas e que ele de longe identificava e tentava apertando os olhinhos em direção ao nada recordar - quando ele buscava no horizonte isso tudo, as crianças o encaravam em silêncio por um momento e sussurravam telepaticamente entre si: "Ele é um de nós." Ele não enxergava mas elas o viam assim. Ele não recordava mas elas sabiam assim mesmo. Quando ele volta de sua viagem a lugar nenhum - em sua busca que nada encontra mas que altera seu exterior fazendo as crianças o reconhecerem - elas sabem o que fazer. Não podem se denunciar em sua cumplicidade, ele não entenderia. Voltam a importuná-lo, voltam a sugerir brincadeiras incompreensíveis para a cabeça do velho e a pular incoveniente e descabidamente sobre ele de uma forma que seu corpo, já calejado pela idade, tampouco compreendia.
As crianças gostavam uma das outras, mas todo os seus afetos convergiam a um só ponto - o velho.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Por qué se suicidam las hojas cuando se sienten amarillas? - Pablo Neruda

Nesta tarde as folhas não caíram. Mantiveram-se poucas, mirradas, nas árvores semi-peladas pelo outono. Quanto menos folhas equilibradas nos galhos, mais se sentiam solitárias e desamparadas, sentiam vontade de pular para encontrar suas irmãs no chão. Mas não nessa tarde, aguentaram-se bravamente ao vento frio. Sua vontade de beber mais da seiva era tão grande que se tornavam um fardo mesmo para sua mãe que a essa época do ano já não tem mais tanto leite para compartilhar.

Ela, sem saber porquê, perdia seus cabelos.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


Ele recebeu cartas de amor pela primeira vez na vida. Em sua sala pobre lia uma a uma com cuidado e satisfação. Amava de volta a cada palavra de afeto, a cada expressão de carinho. Sobre mesa de madeira com uma gaveta em baixo, bebia seu vermute, fumava seus cigarros, lia e relia suas cartas de amor. Até que bateram violentamente na porta, uma, duas, três, quatro vezes. Ele correu sobresaltado, acordado  à força de um sonho bom. Foi até a porta e verificou pelo olho mágico que eram eles. Eram cinco dessa vez, todos de terno cinza, gravata e chapéu. Enormes, fortes e gordos. Correu de volta até a mesa, pegou suas cartas e as queimou rápido com o isqueiro. Bateram denovo, e denovo, cada vez com mais violência. Na quarta vez estava pronto, foi correndo atender a porta mas um chute a escancarou violentamente espatifando seu nariz e arrancando-lhe um dente da frente.


Os homens entraram e começaram a espancá-lo. Socos, pontapés, atiravam-no contra a parede e miravam nas quinas para causar maior dano. E lhe gritavam: “Quem? Quem, filho da puta?” – ele resistia, nunca entregaria seu amor. Mais tortura e violência. Pegam na cozinha seus garfos e cravam na sua pele. O sangue jorra e ele grita alucinadamente. Pegam as facas e começam a retalhar seu rosto, sempre gritando: “Quem te ama? Quem te ama?”. Quando trazem da copa o ferro de passar e ele vê que o estão ligando na tomada não resiste mais e grita chorando: “Ninguém! Ninguém!”. Os homens de terno cinza se entreolham sem expressão, largam-no no chão e saem pela porta.


A ambulância vem e consertam-no para que ele possa trabalhar no dia seguinte.


No dia seguinte sai para o trabalho e cumprimenta os vizinhos tentando esconder a vergonha que sentia por seu rosto deformado e costurado. Na volta, passando pelo parque, escutou o canto de um passarinho. Com sua boca murcha, remendada e sem dentes tenta imitá-lo e estupefato, consegue. Tinha até mesmo a impressão de que sua boca quebrada, agora emitia melhor sons de passarinho do que palavras humanas. Conversava com o canarinho e o entendia, e a ave, enamorada veio pousar em seu ombro. Ele cumprimentou com um sorriso que parecia um bueiro sem dentes e levou sua nova paixão pra casa.


Quando voltava do trabalho passavam horas a conversar e sorrir um pro outro: ele, sem dentes – o pássaro, com um pio. Dava de comer na mão, o alpiste. Deitado de costas no chão, observava com cuidado seu vôo gracioso dentro do apartamento vazio com pouca mobília. Denovo, enquanto se encontrava em estado de graça, os homens de terno cinza espancavam a porta. Ele levantou-se num pulo. Abriu a janela e o passarinho se foi. Ele correu para abrir a porta e os homens, mais uma vez, entraram batendo. Com um empurrão o fizeram cair estatelado sobre a mesa que cedeu e quebrou. Usaram o pé da mesa como arma, ora a parte rombuda virava bastão a lhe acertar o rosto, ora a parte lascada virava lança a perfurar seu corpo. Enquanto gritava de dor ele só pensava em seu passarinho, tão amarelo, tão alegre e tão pequeno. Os homens de terno gritavam com ele: “Quem te ama, seu filho da puta? Quem te ama agora?” – e após toda a tortura ele murmurou com uma voz quase inumana: “Ninguém...”.


Agora ele apenas acenava com a cabeça, não conseguia mais falar. Ia e voltava do trabalho em silêncio. Seu corpo alquebrado fazia com que ele mancasse e se contorcesse enquanto andava. Sentava torto na posição que lhe fosse mais confortável.  Na volta do trabalho passando pela estrada encontrou uma flor. Ela lhe sorria graciosamente. Cintilava em suas cores, e dizia em uma voz doce só ouvida pelos mudos: “toma-me, toma-me”. Ele a pegou, vigiando por sobre os ombros, assustado, colocou-a com um tanto de terra em um saco plástico e carregou até sua casa. Lá chegando a retirou do saco e colocou-a em um vidro de conserva que tinha guardado. Colocou-a sobre a mesa e ficou a olhar. Durante horas nada passou, até que vieram os homens de terno cinza, gravata e chapéu. Ele não sabia como se livrar da planta. Resolveu correr e atirá-la na lata de lixo. Os homens invadiram a casa e o espancaram tanto, tanto, que logo ele estava quase fora de si. E como das outras vezes lhe gritavam: “Quem te ama? Quem te ama, seu merda?”. Com suas últimas forças ele emitiu um gemido, que foi interpretado pelos homens de terno cinza como um “Ninguém” e era isso mesmo que queria dizer.


Veio a ambulância e o levou, mas desta vez não tinha conserto. Ficou deitado numa cama de enfermaria esperando a hora de sua morte. Tinha apenas um olho, entre-aberto, a pequena bilha negra brilhava à luz fria do ambiente. Uma enfermeira se aproximou e olhou. Se reclinou sobre seu corpo e sussurrou no seu ouvido: "ninguém". Ele fechou seu olho e morreu.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Ela o encontrou sentado em um banco de praça. Ele não a viu, continuou olhando para frente sem dar conta de sua presença. Ela sentou-se ao seu lado. Ele não virou o rosto, continuou olhando em frente, mirando o horizonte.
Ela lhe perguntou: "o que você vê?" - e um segundo após terminar a pergunta percebeu que ele era cego. Ele a respondeu assim:
"Vejo o céu pipocado de nuvens na alvorada, todo rosado. Vejo no campo verde as ninfas correndo a buscar abrigo nos bosques, na sombra das árvores. Também correm os centauros ribombando o chão com seu galope, como se a terra fosse tambor.
Na rua de pedras o trabalhador desce, já com a pele lustrosa do calor da manhã. Leva na mão seu almoço embrulhado e em seu cinto as ferramentas da obra.
Um fauno com seu sorriso malicioso o convida para uma partida de cartas antes que o sol venha também expulsá-lo para os bosques. Queria enganar o homem mas este não o escutou, pois já era cristão e agora ele só era enganado por seu patrão, seu pastor, seu magistrado - não jogava mais com os faunos, não dançava mais com as ninfas, não bebia com os leprechauns. Assim como eu não posso mais enxergá-la, mas consigo ouvir-te e sei que está sentada ao meu lado soprando lembranças no meu coração."

sábado, 12 de dezembro de 2009

Tive um sonho de revolta e violência. Acordei agitado e rouco com a gritaria. Tive a certeza de que ela não voltaria e isso me trouxe paz. Resolvi fumar um cigarro por que lembrei que ele espalha a dor do peito para todo o corpo, trazendo desânimo e náusea mas fazendo com que me sentisse mais digno e não apenas ridículo e envergonhado. Apago a luz para que me veja.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009



Primeiro foi a curiosidade ingênua e o zelo reverente. Depois veio uma beleza insuportável que me torturou e entorpeceu. Daí nasceu o verbo - da vontade de expressar o que a beleza havia produzido em mim. Em seguida veio a vontade de falar sem haver palavras para isso. Assim se produziu o silêncio. O silêncio não tinha lugar, como o choro compulsivo da criança que é vontade de existir. Existiu em meus pensamentos, diálogos intermináveis pontuados por afeto. Enfim calou-se em meus pensamentos. Hoje lhe escrevo cartas sem remetente e sem destinatário, em que conto coisas sobre a textura do céu e as bochechas da lua.
O resto é desencontro.

Enquanto ele fazia cafuné na grama sentiu o hálito fresco de crocodilo se desprender do solo quente. Se esforçou para não lembrar de nada, mas era inevitável. A sombra já cobria o seu rosto resfriando a gota de suor e os filetes de sol já eram ruivos.
Sentiu seu estômago embrulhar e a náusea se apoderar do seu corpo. Vinha subindo do estômago pelas cavidades, escalando pacientemente as paredes internas, milímetro por milímetro, se esgueirando pelos tubos.
Deixou o corpo cair gentilmente para trás, não havia mais o que fazer. Agora, ela que o acariciava, acelerando o processo.. Da sua bocarra aberta surgiram os primeiros ramos do que seria uma frondosa árvore. As raízes se expandiram violentamente estraçalhando seu corpo.
Confortável, postado, seus dedos se enterravam nos cabelos verdes.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Os sonhos não têm hora para vir, mas também não têm hora para ir embora. Queria dizer isso, mas não sabia como. Não havia palavra, e como dizem, a coisa vale por aquilo que ali não deveu caber.
Senil, sentado na soleira da porta, se lembrou de como era, e os olhos não mais enxergavam - a nuvem branca se apossara de todo o horizonte. Apenas uma claridade fosca o alcançava. Sentiu uma mão no seu ombro e levantou a sua própria ao encontro, mas era vazio. O calor repousado em seu ombro o fez lembrar de como deveria ser. Lembrava agora dos seus sonhos, que nunca vieram e nunca se foram. Arrependeu-se por ter apenas sonhado. Era ingrato.
O corpo mole pendeu e caiu, e não sentiu o peso de seus ossos no chão. Sempre quis se soltar e ser sustentado no ar, mas nunca houve ninguém para segurá-lo. Se elevou e sentiu o ar fresco das altitudes superiores. Estava nos braços do anjo que ele esperou a vida toda.
Finalmente leve se foi e não sabia se acordaria dali a pouco com a dor do peso dos ossos. Sua desconfiança fez pesar o peito. Pesava e doía forçando a palavra nos seus lábios: "saudade".
Havia palavra que em língua arcaica significava ausência do presente. Era a palavra dos exilados, dos velhos, e com eles calou quando se tornaram ausentes. Esse verbete arcano ecoava do início dos tempos, pulsando silêncio. Sem tempo surgiu, sem tempo se foi.
Não estava mais só, estava acompanhado da morte, seu último portador. Morria a saudade.
Ele não sabia como sair, suas mãos apalpavam o vazio e era sólido como rocha. Em sua expressão desespero, e as pessoas em volta riam, morriam de rir. Alucinadamente apalpava o teto e as paredes, e angustiado sentia o espaço diminuir. Morreria esmagado. O espaço apertava e ele já sentia a asfixia. Os risos aumentavam, abafavam seu grito.
Ele gritava e ninguém ouvia, pudera, não saía som de sua boca. Não tinha voz, apenas gestos. E com seus gestos cada vez mais acelerados tentava inutilmente conter à força o avanço das paredes e do teto em sua direção. Estava cada vez mais apertado. E as gargalhadas se tornaram estrondosas, histéricas.
Enfim, sem poder se mexer, se comprimia em um espaço mínimo. Seu corpo tomou a forma de uma caixa perfeita, retangular. Mais um pouco o espaço se fechou e “crec”, estalou seu pescoço. Gargalhadas sem fim, as crianças apontavam e se divertiam sem soltar seus balões de hélio.
Estirado no chão, sem ninguém saber, diante de aplausos efusivos, jazia o mímico, morto.

domingo, 29 de novembro de 2009

As palavras são outras.

De repente ouviu-se todas as palavras do mundo de uma só vez, em um silêncio estrondoso. Eram também todas as vozes, e soavam como a nota final de um concerto - em um pequeno instante, um "ão". Acordou assustado e tentou correr para salvar alguma coisa diante da máquina de escrever, mas foi tarde, escorreu tudo de uma vez - balde d'água inesperado. Estranhava que não houvesse palavra longa ou curta, vozes ou fonemas agudos e graves, era tudo assim, um grande "ão" disfônico porém em unísono.

O mundo continuou em silêncio depois disso, o gato na lata de lixo, o caderno repousado sobre a mesa.

Marcia

Marcia foi um sonho bom que acabou em Março.
Ele saía todos os dias para trabalhar, quase de madrugada. Pegava um ônibus e um trem, viajava horas. E não voltava mais. De noite em casa tentava ficar acordado o máximo possível por que sabia que se dormisse, não voltaria mais.
No trabalho às vezes era sonâmbulo e às vezes desperto e violento, mas quando saía de lá, não voltava mais. Falava pouco, e os colegas de trabalho pouco o conheciam, só tinham a certeza de que estaria lá no dia seguinte por que ele nunca faltava ou se atrasava. Ele era assim por que sabia que nunca voltaria.
Com os amigos era diferente, mas pouco os via. Não costumava retornar ligações, e quando os encotrava conversava efusivamente ou calava-se encarando-os como estranhos. Os amigos diziam “um dia ele vai embora, e nunca mais vai voltar”. Mas ele sempre voltava, ele sempre estava lá.
Sentiu-se especial certa vez, pensou que poderia ser quem quisesse, qualquer um e todos. De rosto branco com pó e maquilagem encenava coisas que não viraram peças. Pediu um violão para fazer músicas e elas eram simples e suaves, pareciam nem existir. Nunca existiram.
Não gostava de aprender coisas, pensava que iriam contaminá-lo. Queria manter sua mente pura e limpa para criar. Tudo que se aproximasse de sua índole ele afastava com asco, não queira imitar. Imitava como ninguém, podia fazer cópias tão perfeitas que ninguém saberia distinguir o original do falso. Não criava nada.
Tinha um sonho de viajar para longe, viver no campo isolado de todos, cercado apenas de animais e plantas sem precisar voltar. Ou ser vigia de um faról em um lugar ermo, onde pudesse se concentrar em si e no que tivesse para contar. Ou pescador, vivendo simples, só peixes e com o mar. Se pegasse um barco não ia mais voltar.
Um dia ele foi fumar na janela com o corpo metade pra fora, para não esfumaçar a casa. Caiu, e não voltou mais.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Viver é miragem.

Do alto da escada do horizonte mirei. Tremulando o sorriso atraente trouxe os homens nas suas caixas de metal, balançando. Balançando minhas vestes os envolvi no meu encanto. Mudo de lugar na minha dança surreal. Assovio doce. Mastigo devagarinho as bordas do caminho dos meus homenzinhos. Quando estão chegando desapareço e lhes entrego a barra do meu vestido espumante, esvoaçante. Acaricio o rosto dos meus noivos e os coloco pra dormir em meu colo. É doce morrer no mar.

domingo, 8 de novembro de 2009

Saga

Meu corpo tombou pesadamente sobre o chão da floresta. Fui arrastado até as margens do grande rio caudaloso e atirado na água. Meu corpo flutuou como uma jangada e foi arrastado correnteza abaixo. Fui me chocando com outros corpos, todos boiando rio abaixo até chegar em um ponto em que fomos recolhidos.
Descansamos à beira do rio, secando ao sol. Amarraram-nos aos montes, em pilhas gigantescas. Vieram muitos caminhões para nos carregar. Eu fui em um destes caminhões com muitos outros corpos empilhados, e estavamos ainda um pouco ensopados. Solavancos na estrada, pude sentir tudo até a parada do caminhão. Havíamos chegado. Apenas um caminhão chegou, os outros não sei para onde foram.
Era uma fazenda, nós descemos do caminhão para trabalhar cortando cana. Tínhamos apenas o de comer e onde dormir e todo nosso trabalho não era suficiente nem para pagar isso. Éramos reféns. Um dia um de nós tentou fugir e foi baleado. Tombou no chão de barro. A plantação estava cercada de homens armados e de chapéu. Mal podíamos vê-los. Raramente eram flagrados.
Mesmo que alguém conseguisse escapar estaria perdido. Fomos levados de caminhão e não sabíamos onde estavávamos nem o caminho de volta. Quem conseguisse passar da barreira invisível de balas ficaria perdido no cerrado até ser encontrado pelos homens de chapéu, e todos tinham medo do que fariam então.
Um dia um teve uma idéia. Diante do desespero descobriu que a rota de fuga era a terra. Ficou de cabeça para baixo, com as mãos plantadas no chão, equilibrando o corpo na vertical. Assim, no meio do canavial, plantou bananeira. Olhamos todos, descrentes da solução. Um barulho e desviamos o olhar por um segundo. Quando olhamos de volta, não havia ninguém lá, só pés de cana. Trabalhamos o dia inteiro, cortamos toda a cana daquela área e ele não voltou a aparecer. Não sei para onde ele foi.
À noite veio a gritaria e as ameaças. Onde ele estaria? Desespero dos capatazes, ódio do encarregado, descrença e violência. Pagamos pelo sumiço do nosso amigo. Menos um, outro não resistiu ao espancamento e virou semente.
Só havia uma saída, a terra. Um a um fomos sumindo. Plantando bananeira e sumindo no meio do canavial. O trabalho se multiplicava por que a quantidade de trabalhadores diminuía. Os capatazes desistiram, aceitaram a situação. Era um mistério, ninguém sabia para onde eles tinham ido. Tive medo e não quis acompanhar, fiquei pro trabalho.
Um dia fomos liberados. Poucos sobraram. Vim parar com meu dinheiro mirrado na maior cidade do mundo. Lá onde existem todos os rostos do planeta. Entrei em uma lanchonete e pedi um pastel com caldo de cana. A cana entrou na máquina de espremer, mas o caldo que saiu do outro lado era vermelho e viscoso.
Na extremidade oposta do balcão um jovem com olhos para o diferente percebeu e foi tomar nota do ocorrido. Do seu lápis não saía grafite negro mas vermelho sangue. Nos entreolhamos – eu baiano e ele paulistano – e entedemos. Encontramos nossos irmãos perdidos na viagem.

sábado, 7 de novembro de 2009

O mesmo.

O mesmo. Sempre, sempre um poste. Desejando ser mais forte. Pende na longitude. Não é sabido que segreda-se em vergalhão. Parado, mijado, recosto, esconderijo. O carro é seu perigo. Nos cabelos o fio - terra no cú. Não serra, não serra, não é árvore. Se encerra entre o calçamento e o pombo. Perde na sua desatenção. Não lembra quantos anos tem. Ninguém comemora seu aniversário. De vez em quando se apóia em uma velha. Roça nas costas das namoradas, e as vezes sustenta os namorados, revezando-se. Fala com os loucos e escuta os mendigos. Usa uma pochete de plástico cheia de porcarias - e os mendigos as investigam. Ruboriza nos engarrafamentes, é muito reservado. Morreu enforcado em uma corda. Mas continua de pé, sustentado pela corda. Milhares deles, todos enforcados em fileira. Todos na mesma corda. Estão secando da lavagem. Se amarram nos cavalos, sempre, sempre. A esmo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Os seus sapatos o denunciavam. Óbviamente não pertenciam a ele. E não por acaso eles eram o que havia de mais próximo da terra – aquele tudo que não era dele. A terra era verde e a sola era marrom de couro. A lama negra unia os dois fazendo um contínuo do seu corpo com o chão.

Solidão. Do tipo que apenas uma árvore pode experimentar. Solidão e silêncio precederam sua fusão com o chão. Afundava sem perceber; a lama já alcançava sua canela. Já não tinha mais sapatos, mas sim grama até os joelhos. N’olhar a luz refletia. O sol não incomodava mais suas retinas, retumbava no fundo do crânio – caixa oca. Casca oca.

– Hora do remédio, 2212!

Seu olhar despertou e fitou sem expressão a mulher de branco que lhe estendia uma cápsula metade vermelha, metade azul. Olhou para a mão estendida. Tornou a olhar para o rosto sem vida da estátua de touca. A cápsula foi atirada em sua boca seguida de uma enxurrada de água. Sentiu sono, deitou-se.

Seu corpo foi carregado até seu quarto e devidamente atado à cama. Temiam que durante a noite, em momento de descontração trazido pelo sono, seu espírito flutuasse e vagasse pela aí. Era sabido de todos os residentes que durante o dia ele era árvore e que à noite se transmutava em pássaro.

De novo o sapato, de novo a terra, de novo o couro, de novo a grama, de novo a lama. Depois pássaro engaiolado. E assim sucessivamente os dois estados se revezavam. Dia após dia, após noite, após dia. Se ao menos pudesse tocar a terra com a planta dos seus pés descalços. Mas não sabia desfazer os nós dos seus sapatos – principalmente pelo fato de que aqueles sapatos não eram seus. Não pertenciam a ele.

Um dia ele engasgou e cuspiu. Denovo. Engasgo e cuspe. Denovo, dessa vez com força, tampam-lhe a boca. Vômito. Tudo de volta de seu estômago e garganta. A capsula azul e vermelha não descia. Não tinha culpa, tinha sido um nó na sua garganta. Um nó que ele não tinha feito e por isso não saberia desfazer. Injeção, no seu braço, na sua veia. Pronto, passou, veio o sono deitou-se e dormiu. Foi atado à cama para não voar.

Noutro dia outro nó. Nem tentaram desfazê-lo a força, usaram logo a injeção. Sentiu sono, dormiu. Mas seu corpo deu um nó, os membros se contorceram, tornaram-se rijos. Sentia muita dor no estômago, mas não conseguia acordar. Ninguém conseguia amarrá-lo à cama por causa da posição dos seus membros enroscados. Não conseguia desfazer o nó, não tinha sido feito por ele, mas sim pela dor. De repente parou, ele relaxou e se esticou. A dor foi substituída por um calor aconchegante que subiu do estômago para sua cabeça e se espalhou pelos membros que relaxaram.

Dormiu relaxado, o melhor sono de sua vida. Não foi necessário amarrá-lo dessa vez. Em vez disso o colocaram em uma caixa e colocaram a caixa de baixo da terra. Fazia sol, mas ele ainda dormia. Sem árvore hoje, apenas pássaro ainda. Ele queria assoviar, é isso que fazem os pássaros, mas não havia ar na caixa nem espaço. Ele não conseguia abrir a caixa, por que não havia sido fechada por ele.

Olhou para baixo, viu seus sapatos e sentiu tristeza por que não eram dele. Tinha muito o que caminhar, sentiu preguiça porque não queria caminhar. Queria afundar no chão como fazia antigamente. Mas não podia afundar por que seus sapatos estavam amarrados de maneira errada. Estavam amarrados um no outro e como não havia sido ele que tinha feito esse nó teria de esperar que viessem os homens com machados para cortá-lo.

Fechou os olhos e virou um pássaro.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O tempo já não passa mais como quando era nós dois
Os dias se arrastam nas cenas do cotidiano
E termina mesmo antes de começar de novo, um outro
Depois, não quero mais perder
Depois, não quero esquecer
o depois que depois não vai mais ser
Nem eu, nem você

domingo, 19 de julho de 2009

Filmes

Os melhores filmes que assisti foram os que eu esqueci. São aqueles dos quais não lembro o roteiro, nem os personagens, nem as falas. São filmes que sumiram da minha memória. De vez em quando em algum lugar estranho imagens me assaltam trazendo a sensação de familiaridade. Essas imagens saídas de filmes esquecidos estão impressas no mundo e não na minha memória e por isso me assaltam quando não estou em mim. Os melhores filmes que assisti são feitos da matéria dos sonhos.

sábado, 6 de junho de 2009

Sono

Toda noite dormida é a morte de um estado. É um reset do computador. A consciência frágil, que mal suporta a continuidade durante a vida desperta, fraqueja fragorosamente durante o sono. Acordo outro, instrumento desafinado, máquina fria. Essa sobrevida sonâmbula que levo nas madrugadas diante da tela, cansado demais para pensar, disperso demais para manter uma atividade é o esperneio desesperado de uma personalidade moribunda. Quando durmo mudo, acordo sem saber quem eu sou, o que desejo, quais meus objetivos, qual meu humor, qual meu caráter. Até a hora de dormir de novo vou me inventando, para depois, exausto, me apagar novamente. Não me lembro o que eu queria ser a uns instantes atrás, não me lembro o que achava repugnante e impraticável. Admiração e ódio trocam de lugar sem eu saber, sem eu sentir. Não posso dormir, não posso, se não serei enganado.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Central do Brasil

Às vezes eu penso que uma vida comum é tudo que eu preciso para ser feliz. Uma casa no subúrbio, um dia de trabalho cansativo e uma esposa me esperando a noite para amainar minhas dores. Trataria um prato de comida como um milagre e um beijo amoroso como uma dádiva. Mas quando passo na Central eu vejo o avesso da minha fantasia. Nenhum daqueles rostos me parece feliz, nenhum satisfeito ou sereno. Antigamente, não compartilhar dessa ilusão de uma vida comum e feliz fazia com que eu me sentisse superior a toda essa gente circulando feito zumbis. Agora, atestar a inexistência da minha fantasia no olhar abatido deste gado humano não me faz sentir muito melhor que eles.
A sobriedade de uma vida sem ilusões tambem já foi meu analgésico. Encarar com dignidade minha condição coletiva, meu sacrifício compartilhado no meio desse povo massacrado. Ser um deles sem me sentir especial por estar em uma fantasia de mediocridade satisfatória, de alegria caseira. Não buscar uma fuga pra minha miséria. Me sentir especial por não ser especial, por ser mais um pedaço de carne sendo transportado de um lado para o outro nessas máquinas enormes e infernais com cheiro de óleo queimado. Me sentir digno por, desiludido, compartilhar dessa tragédia coletiva.
Mas não hoje. Hoje as fantasias de felicidade caseira estão em falta, e o sentimento romântico de superioridade por minha desilusão solitária se perde na memória do passado. Nem minha dignidade de massacrado, de quem teve sua individualidade extirpada, usurpado como todos os trabalhadores, coletivizado forçadamente pelas circunstâncias do mundo - nem essa dignidade me resta hoje. Não, não hoje. Hoje são eles que olham dentro de mim e não vêem nada. Hoje o zumbi sou eu.

São 5 horas e 47 minutos da manhã no relógio da Central, meu trem está prestes a partir e o dia só está começando.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Humano

Um homem arruinado ainda mantém sua dignidade. A derrota não tem nenhum atrativo, apenas a gratuidade do ser derrotado. Cansado, abatido, equivocado, com o coração envenenado, o corpo repousa fora da contenda. O boxeador que ouve a contagem ao longe, e deseja que a noite acabe para poder voltar para casa. A compaixão é menos pior que a indiferença, mas ainda assim é mortificante. Na utopia-yuppie a compaixão se esvaiu, não há lugar para os vencidos, não há por que se identificar com eles, a menos que você seja um deles. E essa não é posição que se escolhe, essa é posição que se assume por contingência da vida. O vencedor tem um lugar no mundo, ele é o dono do mundo. O derrotado não, a ele só resta o não-lugar. Se um homem derrotado mantém sua dignidade ele não está sozinho. Não terá minha compaixão, mas sim minha admiração, meu amor, minha paixão...

terça-feira, 28 de abril de 2009

Quantas belas mulheres
meus olhares incomodam
nos coletivos, nas ruas
nos bares, nos sonhos?

Pobre ingenuidade
fingida maculada
meus olhares devassam
sem pudor, sem máscara

Mais de mil individualidades
preciosas privacidades
que meus olhares rasgam
sem dó nem piedade

Por que toda a agressividade
deste terrível olhar
é rejeitada ao buscar
virgindade nos rostos
e não nas nádegas?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Jogo do Confuso

O jogo do confuso se joga em um lugar com muitas pessoas, como numa mesa de bar por exemplo. Funciona melhor se forem pessoas conhecidas, mas o mais importante é que estejam conversando. Se o jogador conhecer bem o suficiente essas pessoas, ou nem tão bem assim, mas o bastante para prever as reações à determinadas falas, ele já está pronto para jogar.
Quando a conversa começar a rolar o jogador observa bem os outros participantes: os assuntos que estão na mesa, quem se dirige mais a quem, que assuntos que envolvem cada participante de maneira mais ativa, quem quer ouvir qual assunto de quem, e quem é abandonado a falar sozinho seja lá qual assunto esteja falando. Enfim, nesse primeiro momento é feito um levantamento de temas, opiniões dentro dos temas, e afetos presentes no grupo.
Depois dessa primeira fase de observação, você começa a jogar confuso. O jogo consiste em jogar falas e argumentos sem se preocupar com a comunicação. O jogador que tentar se comunicar com alguém, fazer-se entender de alguma forma, ou se sentir compreendido está automaticamente desqualificado. O objetivo do jogo (se é que ele existe) é jogar com os afetos e opiniões na mesa sem ter nenhuma intenção clara de onde se quer chegar.
As falas devem de tempo em tempo cortar as conversas visando mudar de assunto, ou dividir a mesa em 2 grupos temáticos ou afetivos. Expor opiniões de outros, colocando-os em situações em que eles sejam obrigados a isso também é uma jogada muito comum. Isolar participantes dos assuntos correntes na mesa fazendo com que eles comecem a falar coisas ainda mais pessoais para assim ganhar relevo e voltar a se comunicar também é válido, afinal o jogo envolve assuntos e afetos. Vale também trocar de lugar ou se ausentar por uns momentos para embaralhar as conversas.
Se o jogador conseguir perceber o que prende a sua atenção ele perdeu por que não se confundiu. Todos os outros participantes não sabem que estão jogando, por isso é um jogo de um só jogador.
Divirta-se

(Aviso: só jogue confuso com pessoas que não vão achar que você é maluco)

sábado, 4 de abril de 2009

Quando você observa o movimento das árvores pode perceber que a vida é infinita.

Ingênua claridade de Março
a luz de manhã na cortina esvoaçante
é o ar fresco das chuvas passadas

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Rosileide

Rosileide era uma mulher completamente sozinha na vida a não ser por sua filha. Tudo que uma tinha no mundo era a outra. Viviam em um casebre muito pobre de paredes de tijolo sem reboco, cercadas por um terreno de mato alto e entulho. A miséria era tanta que abatia o espírito, extenuava a alma e anestesiava o coração. A situação, por mais terrível que fosse, era pra ser suportada. Afinal, que escolha se tem se suas funções fisiológicas ainda estão operantes? Não há nada a fazer, apenas continuar vivendo.

Todo quadro deplorável tem seu lugar na galeria da resignação, e assim, Rosileide conseguiria permanecer nessa pobreza a sua vida toda se não fosse por sua filha. Nem toda miséria do mundo é suficiente para um coração solitário. Sozinha uma pessoa pode aguentar a situação mais degradante por anos a fio. A única coisa necessária é não ser obrigada a encarar outro ser humano. O anonimato é necessário.

Mas nem isso Rosileide tinha. Sua filha, como toda criança, ainda mais sozinha no mundo que era, se agarrava a mãe com todas as suas forças e afeto. E a mãe só tinha cabeça, coração e músculos para a sua filha. Sufocante, nauseante, essa relação.

Rosileide sempre fôra sozinha no mundo. Todas as pessoas que passaram por sua vida foram breves. Inconstância nos relacionamentos e solidão, para isso Rosileide estava preparada. Mas pra uma filha não. Não bastasse todo o peso do mundo, não bastasse viver cercada por uma paisagem de zona de guerra, toda a pobreza, miséria, calor, feiura e fedor que essa terra podia produzir, ainda teria que suportar outro ser humano constantemente presente, cuidar de sua subsistência e relacionar-se afetivamente com ele? Era muito mais do que podia suportar. Toda hora um pensamento assaltava a cabeça de Rosileide. O pensamento de que se a culpa da miséria não era de sua filha, com certeza a situação seria melhor se tivesse uma boca a menos para alimentar.

A miséria também tem esse efeito, ela redimensiona todas as coisas. Coisas insignificantes tornam-se estupendas, e coisas fundamentais tornam-se detalhes minúsculos, imperceptíveis. Dessa forma tudo no dia-a-dia se torna um fardo insuportável, e toda a chance de salvação desta realidade putrefada escorre pelos dedos ou passa por debaixo do nariz sem ser percebida. A filha era para Rosileide hediondamente gigantesca, estava em todos os lugares e em todas as horas do dia.

Como era completamente sozinha no mundo a levava para toda a parte. Desde a compra do material para os consertos de roupa que colocavam o dinheiro dentro da casa, até a entrega das roupas lavadas por encomenda debaixo do sol a pino. Moravam em um subúrbio poeirento e calorento distante do centro da cidade. Foi andando de trem uma vez que Rosileide percebeu um pequeno espaço para si mesmo durante o dia. Quando o trem estava lotado ela e sua filha tinham de sentar-se separadas, em outras vezes sua filha ia sentada enquanto Rosileide ia se equilibrando de pé e observando-a a distância. Era nesses pequenos instantes que Rosileide olhava a paisagem pela janela do trem, reparava nas pessoas, suas roupas, expressões, tentava adivinhar seus pensamentos, seus desejos, suas frustrações. Apenas nessa hora Rosileide era ela mesma, se sentia autêntica e não apenas uma sombra da filha. Sentia-se bem, anônima numa multidão de pessoas cuja interioridade era indevassável.

Mãe e filha, certa vez, sentaram-se separadas por causa da lotação do trem. Até que depois de algumas estações vagou um lugar próximo da menina e esta fez questão de chamar a mãe para sentar perto dela, mas Rosileide recusou-se. Nesse momento a filha entendeu um pouco do que representava o trem tanto para ela quanto para sua mãe. Os outros passageiros ao ver essa cena expressaram com suas feições o desagrado com o evidente desleixo da mãe. Não sabiam eles é que a filha não era uma preocupação pequena demais, e sim grande demais para ser suportada. Algumas vezes Rosileide até se fazia de distraída pra ver se alguém lhe prestava o favor de raptar a filha e livrá-la deste estorvo. Já havia pensado também em largar a filha na rua em uma de suas incursões ao centro da cidade, mas logo desistiu da idéia por considerar um abandono muito obsceno – um golpe grosseiro demais se comparado com a leve negligência no trem que poderia um dia terminar em rapto, se ela desse sorte.

Afinal, deu-se o caso, e no trem seria. Rosileide, sentada distante de sua filha resolveu saltar em uma estação não dando tempo para a filha a acompanhar. A porta do trem fechou-se logo atrás das costas de Rosileide e ela começou a caminhar em paralelo à linha sem olhar para o vagão. Manter seus olhos fixos na linha amarela pintada no chão da estação exigia de Rosileide um esforço sobre-humano. Finalmente cedeu, e olhou pela janela do vagão. Rosileide viu passar no olhar de sua filha uma infinidade de estados de espírito – eles desfilavam apressados na velocidade da luz, como o dizer de muitas coisas quando não se tem tempo o suficiente. De toda a diversidade Rosileide conseguiu distinguir apenas alguns estados: pavor, tristeza, desolação, resignação, e por fim compreensão. Algo nos genes de sua filha, ou no inconsciente registrado como herança de milhares de gerações passadas faziam com que a menina compreendesse a vida. Rosileide despreocupou-se. Sua filha estava agora no mesmo lugar em que ela estivera há muitos anos atrás – e a menina saberia, assim como ela soube o que fazer. Com o tempo é até bem provável que se acostume com a solidão e veja como tudo é mais fácil assim, sem ter que encarar outro ser humano. Com o tempo verá como é terrível ter que encarar outro ser humano. “É, ela vai saber se virar...” – pensou antes de tomar um ônibus para nunca mais.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

poesia tropiCAL

poesia pelos meus poros
o sol não me deixa opção
tampouco as lágirmas são voluntárias

devaneios pedem passagem
para a miragem brotar do chão -
fantasia térmica, bruxuleante...

sentidos mais ou menos indistintos sofrem fusão

nos trópicos não há espaço nem tempo

nós trópicos - sensação.

Citê Soleil

Pássaros caídos
caçadores à vista
capacetes azuis
essa é a pista

voa passarinho negro
alvejado no ninho
se esconda em Citê Soleil
se esconda debaixo do sol

os raios do sol te protegem
sem formar gaiolas
os raios de sol te esquentam
sem o calor dos fuzis

voa livre
voa de volta pra casa
voa livre
sem medo de ser abatido
sem medo, pássaro negro