sábado, 29 de novembro de 2008

Engarrafamento

Uma bacia de refrigerante
no meio de monstros de ferro
gritando:
-É um real! É um real!
Será real?

Na rua uma garotinha
me dá tchau
Uma garotinha na rua
Será real?

Uma bicicleta amarela
Mais rápida que todas as feras
Todas as feras que rugem em fila
Fila imóvel
Autoimóvel

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Uma idéia. Uma idéia que vire paragem. Uma idéia que tome passagem por mim e deságüe em papel. Que tome paragem, vire passagem que não chegue em papel. Que se perca no caminho de terra batida, estrada de chão solitária, no meio do nada, cercada por mato e capim, plantada no meio de cerca e mourão. Sol ressecado, insistente, penetra nos olhos e esquenta o cabelo, amarela o barro no chão. Caminho sem fim a trilhar, sem novo lugar, sem lugar pra chegar. Caminho, só caminho pra caminhar. Caminho por caminhar, por verdes caminhos de tímido capim no meio do caminho de terra batida barro e caminhar. Passar para lá, passos no chão ficam no cá. No meu campo solitário onde habitam as lembranças do meu caminhar. Devagar... devagar... devag....., deva......, dev......., d........., .................................................................................................................................

sábado, 15 de novembro de 2008

Cabra

Meu pai me ensinou que caprino é gado de pobre. Bicho forte o suficiente pra virar sinônimo de dureza: cabra, cabra-macho. Come tudo, come espinho, come mato seco, come terra, come chão. Não passa fome nem morre seco, bicho sertanejo. A cabra é a comida dos palestinos, era a comida do menino Jesus e este mesmo era chamado de cordeiro. Viajava em lombo de jumento e vivia em zona árida, deserto de homens, caatinga do mato torcido e caminho santo. A fé sertaneja em si já é fato extraordinário, por que há mais de dois mil anos passa de pai pra filho, do filho pro neto, do neto pro bisneto... No meio do sertão, barro vermelho e secura, enquanto houver homem há cristão. Mas tem algo além da tradição que une esse povo do sertão ao homem-santo. São as cabras, é a secura da vida, é o mato torcido, é sacrifício e penitência do mundo, é a comunhão da experiência vivida. O sertanejo olha e vê com os olhos santos, a paisagem árida e o caminho da salvação. Isso tudo eu aprendi com meu pai.

Aprendendo a andar.

O céu estava em cima, bem em seu lugar, quando ele começou a andar. E foi andando e girando e o chão amolecendo, virando nuvem. E a cabeça doía, arrastando na calçada irregular, batendo nas fendas feitas pelas raízes das árvores. Ele esticou os braços e andou plantando bananeira sem nenhum esforço para se sustentar ou se equilibrar. E os dedos dos pés esticavam e enroscavam e nesse movimento atraíram passarinhos que ali pousaram. Os pelos das pernas cresceram, virando um tufo magnífico por efeito do canto encantado dos pássaros. Os dedos das mãos espicharam, tornando-se imensas cordas finas. E os braços de tanto roçar um no outro na andança começaram a mesclar-se, fundindo-se em um só tronco. Agora só conseguia andar graças aos dedos das mãos, longos e finos que se esticavam e puxavam o resto do corpo, até que cansados fincaram-se no chão. O sangue desceu pra cabeça e iluminando a visão pôde enxergar o horizonte dourado pela luz do sol. Um último bocejo inventou uma toca no meio do corpo delgado que se esticava verticalmente. Tinha desaprendido a andar, tornara-se uma árvore.