Um homem arruinado ainda mantém sua dignidade. A derrota não tem nenhum atrativo, apenas a gratuidade do ser derrotado. Cansado, abatido, equivocado, com o coração envenenado, o corpo repousa fora da contenda. O boxeador que ouve a contagem ao longe, e deseja que a noite acabe para poder voltar para casa. A compaixão é menos pior que a indiferença, mas ainda assim é mortificante. Na utopia-yuppie a compaixão se esvaiu, não há lugar para os vencidos, não há por que se identificar com eles, a menos que você seja um deles. E essa não é posição que se escolhe, essa é posição que se assume por contingência da vida. O vencedor tem um lugar no mundo, ele é o dono do mundo. O derrotado não, a ele só resta o não-lugar. Se um homem derrotado mantém sua dignidade ele não está sozinho. Não terá minha compaixão, mas sim minha admiração, meu amor, minha paixão...
terça-feira, 26 de maio de 2009
terça-feira, 28 de abril de 2009
meus olhares incomodam
nos coletivos, nas ruas
nos bares, nos sonhos?
Pobre ingenuidade
fingida maculada
meus olhares devassam
sem pudor, sem máscara
Mais de mil individualidades
preciosas privacidades
que meus olhares rasgam
sem dó nem piedade
Por que toda a agressividade
deste terrível olhar
é rejeitada ao buscar
virgindade nos rostos
e não nas nádegas?
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Jogo do Confuso
Quando a conversa começar a rolar o jogador observa bem os outros participantes: os assuntos que estão na mesa, quem se dirige mais a quem, que assuntos que envolvem cada participante de maneira mais ativa, quem quer ouvir qual assunto de quem, e quem é abandonado a falar sozinho seja lá qual assunto esteja falando. Enfim, nesse primeiro momento é feito um levantamento de temas, opiniões dentro dos temas, e afetos presentes no grupo.
Depois dessa primeira fase de observação, você começa a jogar confuso. O jogo consiste em jogar falas e argumentos sem se preocupar com a comunicação. O jogador que tentar se comunicar com alguém, fazer-se entender de alguma forma, ou se sentir compreendido está automaticamente desqualificado. O objetivo do jogo (se é que ele existe) é jogar com os afetos e opiniões na mesa sem ter nenhuma intenção clara de onde se quer chegar.
As falas devem de tempo em tempo cortar as conversas visando mudar de assunto, ou dividir a mesa em 2 grupos temáticos ou afetivos. Expor opiniões de outros, colocando-os em situações em que eles sejam obrigados a isso também é uma jogada muito comum. Isolar participantes dos assuntos correntes na mesa fazendo com que eles comecem a falar coisas ainda mais pessoais para assim ganhar relevo e voltar a se comunicar também é válido, afinal o jogo envolve assuntos e afetos. Vale também trocar de lugar ou se ausentar por uns momentos para embaralhar as conversas.
Se o jogador conseguir perceber o que prende a sua atenção ele perdeu por que não se confundiu. Todos os outros participantes não sabem que estão jogando, por isso é um jogo de um só jogador.
Divirta-se
(Aviso: só jogue confuso com pessoas que não vão achar que você é maluco)
sábado, 4 de abril de 2009
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Rosileide
Rosileide era uma mulher completamente sozinha na vida a não ser por sua filha. Tudo que uma tinha no mundo era a outra. Viviam em um casebre muito pobre de paredes de tijolo sem reboco, cercadas por um terreno de mato alto e entulho. A miséria era tanta que abatia o espírito, extenuava a alma e anestesiava o coração. A situação, por mais terrível que fosse, era pra ser suportada. Afinal, que escolha se tem se suas funções fisiológicas ainda estão operantes? Não há nada a fazer, apenas continuar vivendo.
Todo quadro deplorável tem seu lugar na galeria da resignação, e assim, Rosileide conseguiria permanecer nessa pobreza a sua vida toda se não fosse por sua filha. Nem toda miséria do mundo é suficiente para um coração solitário. Sozinha uma pessoa pode aguentar a situação mais degradante por anos a fio. A única coisa necessária é não ser obrigada a encarar outro ser humano. O anonimato é necessário.
Mas nem isso Rosileide tinha. Sua filha, como toda criança, ainda mais sozinha no mundo que era, se agarrava a mãe com todas as suas forças e afeto. E a mãe só tinha cabeça, coração e músculos para a sua filha. Sufocante, nauseante, essa relação.
Rosileide sempre fôra sozinha no mundo. Todas as pessoas que passaram por sua vida foram breves. Inconstância nos relacionamentos e solidão, para isso Rosileide estava preparada. Mas pra uma filha não. Não bastasse todo o peso do mundo, não bastasse viver cercada por uma paisagem de zona de guerra, toda a pobreza, miséria, calor, feiura e fedor que essa terra podia produzir, ainda teria que suportar outro ser humano constantemente presente, cuidar de sua subsistência e relacionar-se afetivamente com ele? Era muito mais do que podia suportar. Toda hora um pensamento assaltava a cabeça de Rosileide. O pensamento de que se a culpa da miséria não era de sua filha, com certeza a situação seria melhor se tivesse uma boca a menos para alimentar.
A miséria também tem esse efeito, ela redimensiona todas as coisas. Coisas insignificantes tornam-se estupendas, e coisas fundamentais tornam-se detalhes minúsculos, imperceptíveis. Dessa forma tudo no dia-a-dia se torna um fardo insuportável, e toda a chance de salvação desta realidade putrefada escorre pelos dedos ou passa por debaixo do nariz sem ser percebida. A filha era para Rosileide hediondamente gigantesca, estava em todos os lugares e em todas as horas do dia.
Como era completamente sozinha no mundo a levava para toda a parte. Desde a compra do material para os consertos de roupa que colocavam o dinheiro dentro da casa, até a entrega das roupas lavadas por encomenda debaixo do sol a pino. Moravam em um subúrbio poeirento e calorento distante do centro da cidade. Foi andando de trem uma vez que Rosileide percebeu um pequeno espaço para si mesmo durante o dia. Quando o trem estava lotado ela e sua filha tinham de sentar-se separadas, em outras vezes sua filha ia sentada enquanto Rosileide ia se equilibrando de pé e observando-a a distância. Era nesses pequenos instantes que Rosileide olhava a paisagem pela janela do trem, reparava nas pessoas, suas roupas, expressões, tentava adivinhar seus pensamentos, seus desejos, suas frustrações. Apenas nessa hora Rosileide era ela mesma, se sentia autêntica e não apenas uma sombra da filha. Sentia-se bem, anônima numa multidão de pessoas cuja interioridade era indevassável.
Mãe e filha, certa vez, sentaram-se separadas por causa da lotação do trem. Até que depois de algumas estações vagou um lugar próximo da menina e esta fez questão de chamar a mãe para sentar perto dela, mas Rosileide recusou-se. Nesse momento a filha entendeu um pouco do que representava o trem tanto para ela quanto para sua mãe. Os outros passageiros ao ver essa cena expressaram com suas feições o desagrado com o evidente desleixo da mãe. Não sabiam eles é que a filha não era uma preocupação pequena demais, e sim grande demais para ser suportada. Algumas vezes Rosileide até se fazia de distraída pra ver se alguém lhe prestava o favor de raptar a filha e livrá-la deste estorvo. Já havia pensado também em largar a filha na rua em uma de suas incursões ao centro da cidade, mas logo desistiu da idéia por considerar um abandono muito obsceno – um golpe grosseiro demais se comparado com a leve negligência no trem que poderia um dia terminar em rapto, se ela desse sorte.
Afinal, deu-se o caso, e no trem seria. Rosileide, sentada distante de sua filha resolveu saltar em uma estação não dando tempo para a filha a acompanhar. A porta do trem fechou-se logo atrás das costas de Rosileide e ela começou a caminhar em paralelo à linha sem olhar para o vagão. Manter seus olhos fixos na linha amarela pintada no chão da estação exigia de Rosileide um esforço sobre-humano. Finalmente cedeu, e olhou pela janela do vagão. Rosileide viu passar no olhar de sua filha uma infinidade de estados de espírito – eles desfilavam apressados na velocidade da luz, como o dizer de muitas coisas quando não se tem tempo o suficiente. De toda a diversidade Rosileide conseguiu distinguir apenas alguns estados: pavor, tristeza, desolação, resignação, e por fim compreensão. Algo nos genes de sua filha, ou no inconsciente registrado como herança de milhares de gerações passadas faziam com que a menina compreendesse a vida. Rosileide despreocupou-se. Sua filha estava agora no mesmo lugar em que ela estivera há muitos anos atrás – e a menina saberia, assim como ela soube o que fazer. Com o tempo é até bem provável que se acostume com a solidão e veja como tudo é mais fácil assim, sem ter que encarar outro ser humano. Com o tempo verá como é terrível ter que encarar outro ser humano. “É, ela vai saber se virar...” – pensou antes de tomar um ônibus para nunca mais.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
poesia tropiCAL
o sol não me deixa opção
tampouco as lágirmas são voluntárias
devaneios pedem passagem
para a miragem brotar do chão -
fantasia térmica, bruxuleante...
sentidos mais ou menos indistintos sofrem fusão
nos trópicos não há espaço nem tempo
nós trópicos - sensação.
Citê Soleil
caçadores à vista
capacetes azuis
essa é a pista
voa passarinho negro
alvejado no ninho
se esconda em Citê Soleil
se esconda debaixo do sol
os raios do sol te protegem
sem formar gaiolas
os raios de sol te esquentam
sem o calor dos fuzis
voa livre
voa de volta pra casa
voa livre
sem medo de ser abatido
sem medo, pássaro negro