domingo, 29 de novembro de 2009

Ele saía todos os dias para trabalhar, quase de madrugada. Pegava um ônibus e um trem, viajava horas. E não voltava mais. De noite em casa tentava ficar acordado o máximo possível por que sabia que se dormisse, não voltaria mais.
No trabalho às vezes era sonâmbulo e às vezes desperto e violento, mas quando saía de lá, não voltava mais. Falava pouco, e os colegas de trabalho pouco o conheciam, só tinham a certeza de que estaria lá no dia seguinte por que ele nunca faltava ou se atrasava. Ele era assim por que sabia que nunca voltaria.
Com os amigos era diferente, mas pouco os via. Não costumava retornar ligações, e quando os encotrava conversava efusivamente ou calava-se encarando-os como estranhos. Os amigos diziam “um dia ele vai embora, e nunca mais vai voltar”. Mas ele sempre voltava, ele sempre estava lá.
Sentiu-se especial certa vez, pensou que poderia ser quem quisesse, qualquer um e todos. De rosto branco com pó e maquilagem encenava coisas que não viraram peças. Pediu um violão para fazer músicas e elas eram simples e suaves, pareciam nem existir. Nunca existiram.
Não gostava de aprender coisas, pensava que iriam contaminá-lo. Queria manter sua mente pura e limpa para criar. Tudo que se aproximasse de sua índole ele afastava com asco, não queira imitar. Imitava como ninguém, podia fazer cópias tão perfeitas que ninguém saberia distinguir o original do falso. Não criava nada.
Tinha um sonho de viajar para longe, viver no campo isolado de todos, cercado apenas de animais e plantas sem precisar voltar. Ou ser vigia de um faról em um lugar ermo, onde pudesse se concentrar em si e no que tivesse para contar. Ou pescador, vivendo simples, só peixes e com o mar. Se pegasse um barco não ia mais voltar.
Um dia ele foi fumar na janela com o corpo metade pra fora, para não esfumaçar a casa. Caiu, e não voltou mais.

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