sexta-feira, 7 de maio de 2010

Os colecionadores

Minha vida foi repleta de amores natimortos, e eu os guardo com o zelo de um colecionador de insetos. Há quem considere isso de mau gosto, que prefira o esquecimento, mas eu não.
Quando era mais novo eu me arrepiava de terror em laboratórios com prateleiras de fetos e animais contidos em vidros de conserva, agora sou eu que envidro memórias de desencontros. Aquilo era mesmo desnecessário, já que tinha o objetivo de educar as crianças e compreender os mecanismos da vida. Como se a vida coubesse em um frasco de vidro. O amor também não cabe.
Mas o que move um colecionador é mais uma compulsão que uma vontade de compreensão ou de organizar didaticamente as coisas. Existe o prazer do todo, o sentido dado pela repetição, a harmonia do constante. Isso reconforta e diminui a sensação de absurdo e por isso, talvez seja sintoma de um mundo sem sentido.
Eu sempre admirei os colecionadores, mas nunca tive essa disciplina e obstinação, até perceber que não se trata de uma escolha ou de uma vontade, mas antes de algo que se impõe externamente, logo, compulsivo. O colecionador não escolhe aquilo que ele coleciona, antes aquilo que ele coleciona é que o escolhe.
Por isso a compulsão, por isso um sentido que é maior que a vida do colecionador, que engloba a sua existência e assim, não pode ser evitado. A coleção cria o sentido da vida do colecionador, ele é colecionado pelas coisas e não o contrário.
Eu tinha muita vontade de colecionar as coisas, mas não conseguia, porque não havia descoberto a coisa que me colecionava. Agora eu sei, sou uma coleção de desencontros. Reconforta ter um sentido, ter descoberto minha coleção - agora eu sou um inseto numa caixa.

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