segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O velhinho resmungava, zangava, de um jeito senil e fraco. Não impunha respeito às crianças em volta que lhe exigiam atenção e participação nas brincadeiras. - "Vamos brincar assim! Vamos brincar assado! Agora faz de conta que você é montanha! Agora faz de conta que é mar ou árvore!" - e ele resmungando: "Sai fora muleque! Assim não! Deixa o velho descansar...". Zanga e lamento, zanga e lamento. Ele reclamava mas nunca saía, nunca se punha fora do alcance das crianças. Ali sempre estava, sempre a reclamar, sempre a brincar e a ceder a vontade da criançada. Sempre contrariado.
Quando ele distraído pela idade, que faz das pessoas aéreas, olhava para o nada lembrando da vida esquecida, daquela vida que pulsava em vozes finas e que ele de longe identificava e tentava apertando os olhinhos em direção ao nada recordar - quando ele buscava no horizonte isso tudo, as crianças o encaravam em silêncio por um momento e sussurravam telepaticamente entre si: "Ele é um de nós." Ele não enxergava mas elas o viam assim. Ele não recordava mas elas sabiam assim mesmo. Quando ele volta de sua viagem a lugar nenhum - em sua busca que nada encontra mas que altera seu exterior fazendo as crianças o reconhecerem - elas sabem o que fazer. Não podem se denunciar em sua cumplicidade, ele não entenderia. Voltam a importuná-lo, voltam a sugerir brincadeiras incompreensíveis para a cabeça do velho e a pular incoveniente e descabidamente sobre ele de uma forma que seu corpo, já calejado pela idade, tampouco compreendia.
As crianças gostavam uma das outras, mas todo os seus afetos convergiam a um só ponto - o velho.

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